Filmes

Direção Glauber Rocha | Roteiro Glauber Rocha | Duração 11 minutos

Primeiro filme de Glauber, curta metragem experimental com 11 minutos de duração, rodado na Bahia. Num terraço de azulejos em forma de xadrez, um rapaz e uma moça. Esses dois personagens evoluem lentamente: se tocam, rolam no chão, se distanciam, se olham. Belos planos de mãos e rostos são montados em alternância com planos de vegetação tropical e do mar. Já nesse primeiro filme podemos discernir alguns traços específicos do cineasta: forte presença da natureza, tratamento do espaço e enquadramento.

Comentário
“Procuramos, humildemente, fugir das facilidades “criativas” que a literatura e as artes plásticas (como também a música) poderiam nos oferecer e procurar o que se julgaria difícil ou impossível: organizar um universo fílmico que vivesse por si mesmo, sem saber, de princípio, a problemática humana que surgiria daí. O processo de trabalho foi simples: como duas figuras humanas – macho e fêmea -, jogadas sobre um pátio em preto e branco com vista par o mar e céu e cercado por folhagem, partimos como a câmara, utilizada como instrumento, em busca do visual mais limpo, mais depurado, e que sairia do seu estado real para o estado de poeticidade, através unicamente da solução de enquadramento, do ponto-de-vista seletivo do cineasta em busca de elementos válidos que, na sala de montagem, lhe propusessem o problema de “criar” o organismo rítmico, o filme em seu estado de cinema enquanto cinema. É certo que a utilização de figuras humanas criou, dentro da lógica fílmica, uma pequena anedota. Todavia cremos que esta fica isolada em segundo plano desde quando o que imporá, fundamentalmente, é o clima fílmico, a nova dimensão de poeticidade que a peça cria. “Pátio” não quer “dizer” nada, não quer “discursar ou narrar’ essa ou aquela atitude humana, mas tão-somente criar em seu próprio âmbito aquilo que encontraríamos no grego Cacoyanis e no Kubrick de “A Morte Passou por Perto”: “estados” que só podem ser criados pelo enquadramento e pela montagem, os materiais de trabalho do cineasta consciente do seu ofício. A afirmação pode parecer pretensiosa, mas é apenas uma atitude honesta frente ao cinema que, no certo dizer do crítico Cláudio Bueno Rocha, não passa, hoje em dia, de simples arte de entretenimento.
(Glauber Rocha, in “Jornal do Brasil, RJ, 29 de março de 1959, Suplemento Dominical)


Direção Glauber Rocha | Roteiro Glauber Rocha, José Telles Magalhães | Duração 80 minutos

Numa aldeia de pescadores de xaréu, cujos antepassados vieram da África como escravos, permanecem antigos cultos místicos ligados ao candomblé. A chegada de Firmino, antigo morador que se mudou para Salvador fugindo da pobreza, altera o panorama pacato do local, polarizando tensões. Firmino tem uma atração por Cota, mas não consegue esquecer Naína que, por sua vez, gosta de Aruã. Firmino encomenda um despacho contra Aruã, que não é atingido, ao contrário da aldeia que vê a rede arrebentada, impedindo o trabalho da pesca. Firmino incita os pescadores à revolta contra o dono da rede, chegando a destruí-la. Policiais chegam à aldeia para controlar o equipamento. Na sua luta contra a exploração, Firmino se indispõe contra o Mestre, intermediário dos pescadores e do dono da rede. Um pescador convence Aruã de pescar sem a rede, já que a sua castidade o faria um protegido de Iemanjá. Os pescadores são bem sucedidos na empreitada, destacando-se a liderança de Aruã. Naína revela para uma preta velha o seu amor impossível por Aruã. Diante da sua derrota contra o misticismo, Firmino convence Cota a tirar a virgindade de Aruã, quebrando assim o encantamento religioso de que ele estaria investido por Iemanjá. Aruã sucumbe à tentação. Uma tempestade anuncia o "barravento", o momento de violência. Os pescadores saem para o mar, com a morte de dois deles, Vicente e Chico. Firmino denuncia a perda de castidade de Aruã. O Mestre o renega. Os mortos são velados, e Naína aceita fazer o santo, para que possa casar com Aruã. Ele promete casamento, mas antes decide partir para a cidade de forma a trabalhar e conseguir dinheiro para a compra de uma rede nova. No mesmo lugar em que Firmino chegou à aldeia, Aruã parte em direção à cidade.

Comentário
"Alguns elementos do filme fazem parte de minhas preocupações: o fatalismo mítico, a agitação política e as relações entre a poesia e o lirismo, uma relação complexa num mundo bárbaro. Um ensaio cinematográfico, uma experiência de iniciante." 
Glauber Rocha


Direção Glauber Rocha | Roteiro Glauber Rocha, Walter Lima Jr. | Duração 125 minutos

"Eu parti do texto poético. A origem de "Deus e o Diabo..." é uma língua metafórica, a literatura de cordel. No Nordeste, os cegos, nos circos, nas feiras, nos teatros populares, começam uma história cantando: eu vou lhes contar uma história que é de verdade e de imaginação, ou então que é imaginação verdadeira. Toda minha formação foi feita nesse clima. A idéia do filme me veio espontaneamente."
Glauber Rocha

Comentário
"Que conta Deus e o Diabo na Terra do Sol ?
O argumento de Deus e o Diabo na Terra do Sol é uma síntese de fatos e personagens históricos concretos (o cangaço e o mandonismo local dos coronéis no Nordeste, o beatismo ou misticismo de base milenarista, a literatura de Cordel, Lampião e Corisco, Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, Antônio Conselheiro e Antônio Pernambucano (jagunço ou assassino de encomenda de Vitória da Conquista). O vaqueiro Manuel se revolta contra a exploração de que é vítima por parte do coronel Morais e mata-o durante uma briga. Foge com a esposa Rosa da perseguição dos jagunços e acaba se integrando aos seguidores do beato Sebastião, no lugar sagrado de Monte Santo, que promete a prosperidade e o fim dos sofrimentos através do retorno a um catolicismo místico e ritual. Ao presenciar o sacrifício de uma criança, Rosa mata o beato. Ao mesmo tempo, o matador de aluguel Antônio das Mortes, a serviço dos coronéis latifundiários e da Igreja Católica, extermina os seguidores do beato. Em nova fuga, Manoel e Rosa se juntam a Corisco, o diabo loiro, companheiro de Lampião que sobreviveu ao massacre do bando. Antônio das Mortes persegue de forma implacável e termina por matar e degolar Corisco, seguindo-se nova fuga de Manoel e Rosa, desta vez em direção ao mar.

No início, conta a estória, tão freqüente na literatura verista do século XIX, do camponês que, num momento de desespero, mata o patrão escravista. Mas, desde o momento em que Manuel se embrenha na caatinga e se junta ao bando dos fanáticos seguidores do Santo Sebastião -- um profeta negro que afirma que um dia o mar vai virar sertão e o sertão vai virar mar e que o sol choverá ouro e que, portanto, para provocar esse milagre, é preciso matar todos os que fazem o mal, isto é, principalmente os padres e as prostitutas --, desse momento em diante, o filme conta algo de muito moderno: as alucinações, as visões, as práticas e os modos de conduta aberrantes que a fome, a miséria e a ignorância podem inspirar num povo desesperado.
Em São Sebastião e seus seguidores, fome, ignorância e miséria fazem arder uma loucura que os impele até aos sacrifícios humanos; no cangaceiro Corisco, a cujo bando Manuel se junta depois que o Santo Sebastião e seu grupo são destruídos, fome, ignorância e miséria fomentam uma ferocidade insaciável, sistemática, demoníaca.

Assim, o Santo Sebastião e Corisco representam Deus e o diabo, ambos deformados e transtornados pela solidão do sertão. De maneira característica, a solução do problema social representado por figuras como o Santo Sebastião e Corisco é confiada à carabina infalível deAntônio das Mortes, matador profissional, figura sinistra, melancólica e lógica de assassino visionário, o qual imagina que, uma vez eliminados o diabo (Corisco) e Deus (o Santo Sebastião), haverá então a guerra de libertação, ou melhor, a revolução, que redimirá o sertão. É assim que Antônio das Mortes fulmina o profeta e o bandido. Manuel, símbolo do povo brasileiro, escapa, testemunha viva da verdade das teses do filme."
Alberto Moravia, trecho de artigo no semanário L’Espresso, 16/08/64, Roma


Direção Glauber Rocha | Roteiro Glauber Rocha | Duração 15  minutos

Filme encomendado, do gênero documentário  clássico,  sobre as belezas e riquezas naturais da  região  Amazônica. Podemos considerar tipicamente glauberianos: o  arrebatamento lírico das tomadas, e  a   insistência bem  característica sobre as  preocupações  nacionalistas e  progressistas do diretor,  com a presença  muito concreta da  imagem das  pessoas no trabalho, nas  seqüências urbanas,  e do  produto, da mercadoria.
Fonte: livro “Glauber Rocha” de Sylvie Pierre  (Papirus  Editora, 1996).

Comentário
“Cheguei no Amazonas com uma idéia pré-concebida e descobri que não existia a Amazônia lendária e mágica, a Amazônia dos crocodilos, dos tigres, dos índios, etc...(“Revolução do Cinema Novo”, pg 79).
Obs: primeiro ensaio a cores de Glauber, rodado entre “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “Terra em Transe”.


Direção Glauber Rocha | Duração 10 minutos
O filme é uma encomenda de José Sarney, que acabava de ser eleito governador do Estado do Maranhão (e seria Presidente da República 19 anos depois), e desejava que seu amigo Glauber Rocha produzisse um documentário sobre a cerimônia de sua posse. Isso se dá dois anos depois da tomada de poder dos militares. A franqueza do filme é total e anuncia o tom de “Terra em Transe”. Não se encontra no curta-metragem o mínimo de complacência para com o político que encomendou a obra. Ao contrário,  o filme é construído como um verdadeiro desafio às promessas eleitorais demagógicas: enquanto o político se compromete solenemente a acabar com as misérias da região, elas são simplesmente mostradas, com uma terrível crueza, em imagens documentais (casas miseráveis, hospitais infectos, vítimas da fome, tuberculose...), alternando com as imagens do discurso em terrível oposição entre a retórica e a realidade, mas igualmente apontando a necessidade urgente de transformar as palavras em ações para promover o progresso social.

Comentário“É uma reportagem sobre as eleições de um governador (José Sarney) no Maranhão; é muito importante para mim, porque o filmei com som direto e foi uma experiência muito útil para “Terra em Transe” porque participei das etapas de uma campanha eleitoral”.
Glauber Rocha - “O Estado de Minas” – 13/05/1980.
Obs: Glauber retirou dois planos dos negativos de “Maranhão 66” para sobrepor a um comício de Vieira em “Terra em Transe”. Foi no set deste filme que Eduardo Escorel, então tTécnico de Som, leu pela primeira vez o roteiro de “Terra em Transe”, filme cuja montagem assinaria.

Comentário do Personagem“Tomava eu posse no Governo do Maranhão e fiz uma ousadia que não deveria ter feito com um amigo da estatura de Glauber Rocha. Eu lhe pedira que documentasse a minha posse. Glauber fez o documentário que foi passado numa sala de cinema de arte, há 15 anos. E quando o público viu que numa sessão de cinema de arte ia ser passado um documentário que podia ter o sentido de uma promoção publicitária, reagiu como tinha que reagir. Mas aí, o documentário começou a ser passado, e quando terminaram os 12 minutos o público levantou-se e aplaudiu de pé, não o tema do documentário mas a maneira pela qual um grande artista pôde transformar um simples documentário numa obra de arte: ele não filmou a minha posse, ele filmou a miséria do Maranhão, a pobreza, filmou as esperanças que nasciam do Maranhão, dos casebres, dos hospitais, dos tipos de ruas, e no meio de tudo aquilo ele colocou a minha voz, mas não a voz do governador. Ele modificou a ciclagem para que a minha voz parecesse, dentro daquele documentário, como se fosse a voz de um fantasma diante daquelas coisas quase irreais, que era a miséria do Estado”.
Senador José Sarney, no Jornal do Brasil, (Rio de Janeiro, 25 de Agosto de 1981)


Direção Glauber Rocha | Roteiro Glauber Rocha | Duração 115 minutos

"(...) Porfírio Diaz, napoleão de opereta, alma de    escorpião e fariseu empunhando o crucifixo e a negra bandeira facista, serve de corpo inteiro à Compañia de Explotaciones Internacionales, sob pretexto de servir a Cristo. O senador Diaz, odiando o povo, pretende coroar-se imperador de Eldorado para impor aos sub-homens eldoradenses sua todo-poderosa vontade de super-homem. Vieira, governador de Alecrim, província de Eldorado, é um demagogo populista que se elege à custa do voto dos camponeses e operários para depois, no poder, ordenar o fuzilamento de seus líderes. Don Julio Fuentes é a expressão máxima da burguesia progressista de Eldorado. Dono de tudo -- minério, petróleo, siderurgia, imprensa, televisão -- sente-se, em determinado momento, esmagado pela concorrência da Compañia de ExplotacionesInternacionales e, num furor impotente, admite aliar-se às forças populares para chegar ao poder. Fuentes, entretanto, é branco, e com os brancos se entende. Ao frigir dos ovos, manda ao diabo suas boas intenções nacionalistas e se transforma em tapete para Diaz, pinça do carangueijo imperialista em Eldorado.

Há o poeta, Deus meu, o sórdido, o belo, o generoso, o  ingênuo, o puro e maculado poeta Paulo Martins, homem  dividido como um pedaço de víscera é dividida por uma  faca, homem que sangra, e sonha, se encontra, e se   aliena,  e dança, e regouga, e tenta, e busca, e ama, e  rodeia. Paulo Martins é a consciência em transe de  Eldorado. Ele, poeta e soldado, soldado e poeta, truão e  herói, se dilacera na tentativa de abraçar as contradições  de Eldorado para, no escuro do caos, forjar o instrumento  de luta capaz de redimir o país. Paulo Martins tenta  confiar, tenta acreditar, tenta submeter-se aos esquemas  burocráticos de uma dialética esvaziada de originalidade  e  de heroísmo. Tudo e todos falham, falha Diaz, de quem  o poeta era amigo, falha Vieira, a quem o poeta procurou  servir, falham os revolucionários que, em nome de velhas  fórmulas esclerosadas, pretendem manipular a realidade,  longe, muito longe de seu selvagem coração.

Há um momento em que Paulo Martins está só. Arma-se o  golpe de morte nas derradeiras possibilidades  democráticas de Eldorado, o imperialismo desfere sobre o crânio do país uma porretada que o fende, Vieira renuncia à luta, o povo, perplexo e manietado, não sabe o que fazer, os burocratas, articuladores  abstratos de uma estratégia inviável, usam suas jaculatórias como quem recita um exorcismo impotente. O golpe está em marcha, a negra bandeira fascista se abate sobre o país. O poeta está só, na sua insônia. Esta insônia, porém, se ilumina com o clarão de uma consciência que arde. O poeta arde na noite de Eldorado, e sua solidão solidária se enche de rumores, queixas, gemidos, sofrimentos e lágrimas que a noite do país absorve e emudece.

Eis que o poeta -- consciência em vigília -- decide assumir, ao preço da própria vida, a situação limite que o dilacera, dilacerando Eldorado. Sozinho, sozinho, tão só como quem nasce -- ou como quem morre -- o poeta, com o povo, pelo povo e para o povo, lança seu peito de encontro aos fuzis que condenam Eldorado ao papel de um país que se agacha. Em nome de todos, encarnando o direito de todos à vida, à liberdade e à dignidade humana, o poeta arromba as barreiras da polícia e tomba crivado de balas.(...)"

Comentário 
"Convulsão, choque de partidos, de tendências políticas, de interesses econômicos, violentas disputas pelo poder é o que ocorre em Eldorado, país ou ilha tropical. Situei o filme aí porque me interessava o problema geral do transe latino-americano e não somente do brasileiro. Queria abrir o tema "transe", ou seja a instabilidade das consciências. É um momento de crise, é a consciência do Barravento."
Glauber Rocha 


Direção Glauber Rocha | Duração 95 minutos

"O Dragão é inicialmente Antonio das Mortes, assim como São Jorge é o cangaceiro. Depois, o verdadeiro dragão é o latifundiário, enquanto o Santo Guerreiro passa a ser o professor quando pega as armas do cangaceiro e de Antonio das Mortes. Em suma, queria dizer que tais papéis sociais não são eternos e imóveis, e que tais componentes de agrupamentos sociais solidamente conservadores, ou reacionários, ou cúmplices do poder, podem mudar e contribuir para mudar. Basta que entendam onde está o verdadeiro dragão." 

Comentário
Comentário de Martin Scorsese: 17/08/2006
Martin Scorsese diz que filmes de Glauber Rocha o influenciam; leia entrevista.


Direção Glauber Rocha | Roteiro Glauber Rocha, Gianni Amico | Duração 95 minutos

"É uma história geral do colonialismo euro-americano na África, uma epopéia africana, preocupada em pensar do ponto de vista do homem do Terceiro Mundo, por oposição aos filmes comerciais que tratam de safaris, ao tipo de concepção dos brancos em relação àquele continente. É uma teoria sobre a possibilidade de um cinema político. Escolhi a África porque me parece um continente com problemas semelhantes aos do Brasil."
Glauber Rocha

Comentário"O Leão de Sete Cabeças é uma co-produção ítalo-francesa, filmada na África. Diz Glauber que ele pretende ser uma “elaborada denúncia do colonialismo e do subdesenvolvimento”, apresentando uma Europa vermelha e um agente secreto norte-americano, também vermelho, escravos um do outro num país tropical. Os colonialistas mantêm os negros como escravos. Nesse mundo movem-se também um padre português e um mercenário alemão.

Uma revolução é sufocada de maneira sangrenta e os vermelhos decidem, com seus amigos, levar ao poder um representante da burguesia africana. Para isso elegem presidente o senhor Xobu. Mas um rebelde africano e um guerrilheiro latino-americano organizam uma nova revolução. Os brancos, provavelmente vencidos, são levados ao patíbulo, enquanto da selva saem simbólicas fileiras de negros que cantam “Oh África, oh África. (...)"
Jornal da Tarde, Salvador, 26/06/70


Cabezas Cortadas (Espanha, 1970)
Direção Glauber Rocha | Roteiro Augusto Martinez Torres, Josefa Pruna | Duração 95 minutos

"É um filme contra as ditaduras, é o funeral das ditaduras. Trato de um personagem que seria o encontro apocalíptico de Perón com Franco, nas ruínas da civilização latino-americana. Filmei nas pedras de Cadaqués, onde Buñuel filmou "L'Age d'Or". A Espanha é a Bahia da Europa. Cabezas Cortadas desmonta todos os esquemas dramáticos do teatro e do cinema. O cinema do futuro será som, luz, delírio, aquela linha interrompida desde "L'Age d'Or"."

Comentário
"(. . .) Glauber Rocha fala da história da América Latina, de Perón, dos ibéricos, mouros e cristãos, mostrando a Espanha como uma ruína, como um louco que na hora de morrer reestabelece a monarquia. Fala de Perón, de Franco, Batista, desses ditadores que se exilam na Espanha, mas constrói um sonho, materializando o inconsciente em sons-imagens. E quando o inconsciente, o sonho, irrompe na realidade ele é como uma máquina estranha àquela realidade. Para Glauber, como disse André Breton, “a metáfora tem a capacidade de esculpir o espaço do real, no caos da razão”. Uma cabeça grega, a cabeça de uma civilização, a greco-romana-cristã, apareceu na lama, cortada.

Glauber constrói uma hipérbole. Em cima das palavras-título Cabezas Cortadas, aparece uma imagem formando figura de linguagem audiovisual. A cabeça é uma cabeça cortada de uma estátua grega. É dentro da cabeça que se cria tudo, a ciência, o raciocínio. Cortar as cabeças. Cortar as amarras da razão, do conhecimento     racional, do positivismo, para compreender. Corte no pensamento racionalista. A oposição paixão-razão."
Morte do Patriarcado (política e ética. Raquel Gerber em Filme e Cultura n. 34 Rio de Janeiro jan./fev./mar. 1980, p. 36)


Câncer (Brasil/Itália, 1972)
Direção Glauber Rocha | Duração 86 minutos

"O filme não tem história. São três personagens dentro de uma ação violenta. O que eu estava buscando era fazer uma experiência de técnica, do problema da resistência de duração do plano cinematográfico. Nele se vê como a técnica    intervém no processo cinematográfico... Resolvi fazer um filme em que cada plano durasse um chassi, e estudar a quase-eliminação da montagem quando existe uma ação verbal e psicológica dentro da mesma tomada."

Observação: O filme foi rodado antes das filmagens de “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, cujos negativos importados tinham sido retidos na aduana.

Comentário
"Se Glauber é precursor do underground brasileiro com“Câncer” filmado em 1968, no Rio, é por sua aproximação com a cultura dos morros cariocas. Relação Sertão/Favela    que cria uma linha de continuidade entre o mundo do sertanejo e o imaginário urbano das favelas. A marginália social e artística dos morros ganha um sentido existencial e estético a partir dos anos 70. “Câncer” é uma encruzilhada entre a pedagogia da violência glauberiana, seu impulso sádico-paternalista e o desejo de uma arte que atravessasse as fronteiras de classe, status, cultura. Nele, a classe média artística – Rogério Duarte, Odete Lara, Hugo Carvana, Pitanga, Hélio Oiticica  – freqüenta a marginália dos morros, sambistas, punguistas, o submundo das delegacias. Discutem com o povo a respeito de comunismo, sexo, miséria, revolução. Glauber descobre a vanguarda pelo submundo, como se Godard subisse o morro. Numa carta a Alfredo Guevara, pondera: é mais positivo fazer estes filmes do que falar de revolução nos bares e nas praias “
Ivana Bentes 


História do Brasil (Cuba, França, Itália, 1974)
Direção Glauber Rocha | Duração 166 minutos

Filme de montagem realizado no exílio de 1971 a 1973 entre Cuba e Roma, e finalizado em Paris em 1974. Depois de rodar o “Leão de Sete Cabeças” e se declarar um cineasta “tri-continental”, Glauber se junta em Cuba ao líder Marcos Medeiros que regressava das guerrilhas de 1968 para montar um inventário político da América Latina. Em off, a certa altura, Glauber dialoga com Medeiros, por exemplo, sobre o perfil dos presidentes militares que se sucediam no poder.
É considerado um trabalho “semi-acabado” de Glauber que tem um certo caráter pedagógico e procura  através de uma montagem dialética fazer uma revisão crítica da colonização, da luta de classes, do messianismo e da implantação dos governos populistas no Terceiro Mundo. Há uma cronologia nos fatos apresentados que, apoiados em vasta iconografia (filmes, gravuras, fotos,etc...) operam, contudo, associações “livres” que permitem ao espectador uma visão “polifônica” da “Hystorya do Brazyl”.

Com narração de Jirges Ristum, o documentário recorre a diversas imagens pertencentes ao acervo  do ICAIC (Instituto Cubano) que mostram Fidel Castro e Che Guevara em plena Revolução até cenas de filmes brasileiros como “São Paulo S/A”, “Assalto ao Trem Pagador” bem como imagens documentais do Golpe de 64 no Brasil pontuadas por canções tropicalistas. “História do Brasil”,  ficou censurado no país desde sua realização, sendo liberado para exibição apenas em 1985.

Comentário”Glauber parecia mais interessado em dialogar com a pesquisa historiográfica e   sociológica do que com a produção artística do seu tempo. Esta projeção do cineasta sobre o campo do conhecimento científico teve, de fato, repercussões importantes na feitura de História do Brasil, visto que o filme retomava os temas recorrentes pelos autores citados. Há um esforço de interpretação dos temas centrais da historiografia, como o caráter da revolução burguesa e o enfrentamento das lutas sociais e políticas desde a colonização até o regime militar de 1964, dentre outros. Neste sentido, o filme parece articular história e revolução, na qual o presente, desvendado como potencial portador da ruptura política e cultural, construiu uma interpretação sobre um passado de lutas contra a dominação”.
Mauricio Cardoso (Doutorando, História Social/USP) em Glauber Rocha: Exílio, Cinema e História do Brasil

Direção Coletiva | Duração 78 minutos

''As Armas e o Povo'' é um documentário de realização coletiva produzido pelo Sindicato de Trabalhadores da Produção do Cinema e Televisão durante as manifestações da Revolução dos Cravos em abril de 1974, que derrubou o regime fascista implantado em Portugal desde 1920 por Antonio Salazar.

Trata-se de um filme-intervenção, em que Glauber Rocha assume um papel de destaque como entrevistador nas ruas de Lisboa, durante a celebração do 1 de Maio, quando o povo sai às ruas de braços dados com os militares revoltosos para consagrar a Revolução de “25 de Abril”, que marcou a queda da ditadura salazarista. A participação ativa de Glauber em “As Armas e o Povo” antecipa a sua performance como “ator-autor” em “Claro” realizado por ele em Roma um ano depois.  

Comentários
”Os planos das entrevistas realizadas por Glauber Rocha são os que mais deixam passar a individualidade, os conflitos e as matizes do ”povo-ator” da Revolução. Todos   são convidados a falar, os entrevistados são interpelados no meio das multidões. Assinale-se um momento particularmente marcante, quando um soldado hesitando na resposta, é incitado pelos outros a exprimir-se, a fazer uso da sua liberdade de expressão.

''Qual a sua posição política?'' - pergunta, às tantas, Glauber Rocha, a um entrevistado de 16 anos, que não compreende o chavão político. À hesitação momentânea segue-se o surgimento de um operário de entre a multidão, representando ali a classe oprimida que acaba de derrubar a classe opressora. O lugar é assim dado aos que tem uma posição mais vanguardista na revolução: os soldados, marinheiros, o operário, a estudante universitária. A lógica que preside à organização do documentário manifesta-se, no âmbito da montagem, na escolha dos que têm a palavra.

Num outro momento, Glauber Rocha pergunta freneticamente a uma entrevistada se ''está disposta a lutar'' pela Revolução, ''a mudar de vida''. A resposta de tão desconcertante sobrepõe-se pela sua complexidade à linearidade da questão que já continha em si a resposta: várias hesitações, ''tenho ouvido tanta coisa'', a incredulidade a furar a lógica do argumento pré-definido. Glauber Rocha coloca ainda uma outra pergunta retórica, de resposta previsível, aos soldados: ''Você quer que a guerra continue ou acabe?''. A questão está inserida no encadeamento persuasivo do documentário.”
José Filipe Costa (Cineasta e Teórico português) 

“A própria trajetória de Glauber, circulando pela América Latina, Europa, África e Estados Unidos, espelha esse movimento. Não estranha, portanto, sua presença em cena, assumindo ora a persona pública, dando declarações em italiano, ora no posto de repórter que se torna ele mesmo notícia, ou ainda em situações domésticas. É a primeira vez, em filme assinado por ele, que Glauber se coloca diante da câmera. Claro, no entanto, leva adiante uma experiência anterior fundamental nesse processo: a participação do cineasta no documentário português As Armas e o Povo (1974), realização coletiva envolvendo diversos diretores, que filmaram entre o 25 de abril da Revolução dos Cravos e a celebração do primeiro de maio com o país livre da ditadura salazarista. Nas cenas em que dirige e participa, Glauber faz entrevistas durante a manifestação e se desloca até um bairro pobre da periferia de Lisboa, onde conversa e provoca os moradores. São procedimentos e trajetos que retoma em Claro (surpreende, em particular, a semelhança nas seqüências filmadas nas periferias de Roma e Lisboa) e que voltarão a ser explorados nos documentários posteriores e no quadro do programa "Abertura". 
Luciana Corrêa de Araújo (Revista Contracampo)


Direção Glauber Rocha | Duração 110 minutos

"Uma visão brasileira de Roma. Ou melhor, um depoimento do colonizado sobre a terra da colonização."

Tendo Roma como cenário e a cultura romana como alvo, "Claro" não tem um enredo narrativo e uma estrutura tradicional, misturando ópera (sobretudo a partir da trilha musical que reúne Bellini e Villa-Lobos), documentário, filme-testemunho e ensaio. A presença no elenco do instigante realizador italiano Carmelo Bene e da atriz francesa Juliet Berto valorizam um filme irreverente, provocativo, um dos mais autorais de Glauber em que sua assinatura indelével se corporifica em cada plano.

Comentário
Por que este título?
Porque queria ver claro nas contradições da sociedade capitalista de nosso tempo.

Você está seguro de que esta clareza será transmitida também aos espectadores?
Não sou profeta. Creio honestamente ter feito um filme sem ambiguidades, quero dizer não ambíguo sobre o plano político. Por exemplo, parece-me bastante claro o momento em que, na conclusão do filme, a gente pobre ocupa literalmente a tela: o povo deve ocupar o espaço que lhe foi arrancado em séculos de repressão. Quanto a minha relação com o público, posso dizer que não tenho mesmo uma visão paternalista de espectador. A minha, pelo contrário, é também uma obra aberta, que deixa amplo espaço à livre interpretação, mas, repito, sem nunca ser ambíguo.
Diga alguma coisa sobre a protagonista feminina e sobre o significado da sequência inicial.
A protagonista é também um mito, um mito que atravessa o filme: poderia ser o mito da inocência, da ingenuidade     em relação com o mundo hostil, repressivo. O diálogo musical do início, entre a moça e a voz fora do campo, é uma espécie de exorcismo, um fato ritual, um batepronto entre passado e presente, entre angústia e esperança. É também um modo de combater a neurose que creio ser um produto típico do sistema capitalista.
 Entrevista com Glauber Rocha, no Paese Sera, Roma, edição de 23/jul./1975


Direção Glauber Rocha | Roteiro Glauber Rocha | Duração 140 minutos

"Trata-se de um filme que joga no futuro do Brasil, por meio da arte nova, como se fosse Villa-Lobos, Portinari, Di Cavalcanti ou Picasso. O filme oferece uma sinfonia de sons e imagens ou uma anti-sinfonia que coloca os problemas fundamentais de fundo. A colocação do filme é uma só: é o meu retrato junto ao retrato do Brasil.

Esse filme estaria para o cinema talvez como um quadro de Picasso. Os críticos estão querendo uma pintura acadêmica, quando já estou dando uma pintura do futuro.

Na criação artística o maior empecilho é o medo. Os autores que criaram grandes obras na América Latina venceram o medo para não sucumbir ao terrorismo do complexo de inferioridade. Eu, inclusive, rompi este complexo no berro.

Eu não tenho medo de criar, se tiver engenho e arte vou em frente. É necessário não ser babaca, pois a babaquice é o maior inimigo do artista.
Arnaldo Carrilho me disse uma vez diante das ruínas de Pompéia (era um domingo entre janeiro e março de 1965) que Simon Bolívar subiu no Vesúvio e de lá meditou sobre a América Latina: daí partiu para sua ação política. Verdade ou mentira quero partir do vulcão".

Comentário
"É um filme que o espectador deverá assistir como se estivesse numa cama, numa festa, numa greve ou numa revolução. É um novo cinema, anti-literário e metateatral, que será gozado, e não visto e ouvido como o cinema que circula por aí. É um filme que fala das tentativas do Terceiro Mundo... fala do mundo em que vivemos. Não é para ser contado, só dar para ser visto. De “Di Cavalcanti” para cá eu rompi com o cinema teatral e ficcional."   
Glauber Rocha


Direção Eryk Rocha | Roteiro Eryk Rocha e Bruno Vasconcelos | Duração 94 minutos

O exílio em Cuba de 1971 a 1972, um dos períodos menos conhecidos da vida do diretor Glauber Rocha, coincide com um período de grande euforia e discussão em torno do papel das artes na revolução social e política dos países da América Latina e do Terceiro Mundo. Glauber, com sua fala barroca e poética, propõe o cinema como o principal instrumento cultural e político para a promoção da unidade latino-americana, servindo como fio condutor para a reconstituição do Cinema Novo brasileiro e do Cinema Revolucionário cubano.


Direção Sílvio Tendler Duração 98 minutos

A vida e a morte de Glauber Rocha, o polêmico cineasta baiano que revolucionou o cinema, promovendo uma radical revisão na cultura brasileira. Imagens do enterro, depoimentos recentes de quem acompanhou sua trajetória, seus pensamentos e idéias explodem na tela num filme-tributo à memória de um artista que idealizava um cinema independente e libertário.



Direção e Argumento Paloma Rocha e Joel Pizzini | Duração 98 minutos

Ao investigar as motivações estéticas e a luta incansável de Glauber Rocha pela liberdade no país, “Anabazys” procura examinar as raízes dos pré-conceitos forjados historicamente contra “A Idade da Terra, o filme-testamento do cineasta baiano. Um filme sobre um filme onde o autor assume também o papel de ator de sua verdade histórica. Com imagens inéditas de Glauber no exílio e cenas de seu programa de televisão, Abertura, “Anabazys” esclarece a postura polêmica do diretor durante a ditadura, em defesa das aberturas democráticas no país. Um filme com Glauber Rocha.

"Considero “Anabazys” uma experiência radical de reciclagem cinematográfica na medida em que editamos sobras de filmes esquecidos nos arquivos brasileiros, e recriamos com as imagens e voz de Glauber parte de nossa história política e cultural. A parceria com Pizzini foi fundamental para que eu mantivesse o distanciamento necessário para a releitura da última obra de meu pai, na qual participei como atriz e continuísta. Me libertei a cada fotograma recuperado".


Textos retirados dos sites:
Tempo Glauber
Meu Cinema Brasileiro
Adoro Cinema